Na minha infância, o meu pai tinha suspeitas de que eu tivesse algum problema. Enquanto que as outras crianças eram sôfregas e inquietas, eu era arredio e solitário. Estava sempre vagando por outras dimensões, fora do cotidiano dos meus amigos de infância. Isto não quer dizer que eu não participasse das brincadeiras e folguedos, mas esta participação era pequena e eu sempre estava de volta para um mundo introspectivo.
Os livros foram a minha salvação, pois encontrei neles as respostas para minhas infinitas inquietações e curiosidades. Para que e o porquê! Eu sempre estive à procura de respostas, pois o mundo em que eu vivia não dava. Tornei-me um leitor compulsivo, lia o que me caía nas mãos. E talvez por isto que me aventuro a escrever sobre os mais diversos assuntos. Acho que de tanto ler, comecei e continuo a escrever!
O leitor deve estar se perguntando aonde eu quero chegar com o rumo desta proza. Eu sou da época do livro, pois não tinha outros meios de diversão, a não ser ouvir a Voz do Brasil, no rádio à pilha Philco/Semp do meu pai. Lembro-me de que ouvia, também, diversas outras estações de rádio estrangeiras, como a BBC de Londres e a Voz da América, Rádio Central de Moscou, nos horários em que transmitiam em língua portuguesa. Era para mim a única janela para o mundo estar ouvindo vozes tão longínquas, na cidade onde morava, no interior deste vasto país. Recordo que eu escrevia para embaixadas de outros países aqui no Brasil e me eram enviados textos, jornais revistas e ilustrações coloridas dos mais diversos países.
Era do Rádio e também a Era do Livro que estão se tornando página virada na história no mundo. Cultua-se hoje a imagem. Tudo é transmitido através de gravações físicas e de vídeos nesta Era Digital. Não se presta mais muita atenção aos livros que são inanimados e na voz que não traduz com a devida precisão. É o império da imagem. Tudo está pronto para ser consumido e é visto, através da televisão e, nos meios digitais de comunicação, sem qualquer dificuldade.
A mente, se não for exercitada, embota. Depois do celular, a mente deixou, por exemplo, de gravar os números dos telefones de outras pessoas. Se perguntar para uma pessoa qual o número do telefone do seu esposo (a), ela não sabe, pois, o número é facilmente encontrado no arquivo de um aparelho, à livre e fácil disposição do seu dono. Enfim, ficou-se vassalo de uma máquina! Sem ela babau!
Confesso que me frustra ver os jovens se desinteressarem da leitura, mas eles são frutos das facilidades de um mundo de facilidades. Para que ler ou pensar se tem um aparelho que faz isto por nós. Enfim, é a vitória de lei do menor esforço! A vida é, antes de tudo, uma prática diuturna para se fazer as maiores e menores tarefas do cotidiano. A nossa mente não existe sem os exercícios diários. Uma criança, por exemplo, não aprende se não exercitá-la. Os homens não chegam a lugar nenhum sem obstáculos ou dificuldades!
Fico pensando: quem é surdo não fala por que não ouve. E quem não lê não escreve. O desenvolvimento da mente é fruto de um exercício diário e contínuo. A se imaginar a dimensão da Era Digital, iremos, com certeza, parar de pensar e a mente será inútil, pois perderá, as suas funções! Iremos, portanto, nos tornar um ruminante ou outra espécie do mundo animal!
Renato Gomes Nery. E-mail – rgnery@terra.com.br