O menino é o pai do homem

                                                                  

“Tentei não fazer nada na vida que envergonhasse o menino que fui”.

José Saramago.

                                      O meu filho caçula tem 09 anos. É um garoto esperto que gosta da natureza e exageradamente de animais. E está desenvolvendo uma paixão por máquinas, notadamente por carros e motos. É terno, carinhoso, afável e agradável com as pessoas.

 

                                      Eu dei para ele despretensiosamente uma laranja descascada e cortada ao meio. Para minha surpresa, ele não sabia o que fazer direito com a laranja e perguntou como fazia. Ele passou a língua pela textura da laranja e não passou muito disto. Eu insisti para que ele a mordesse e comesse a sua gostosa polpa. Entretanto, não passou de algumas tênues mordidas que não atingiram toda a polpa e, em seguida, abandonou a laranja.

                                       Lembrei-me da minha infância e da sofreguidão com que chupava e comia laranjas só deixando o bagaço. Em que me lambuzava todo ao chupar e comer mangas, goiabas e abacaxis e outras frutas. Que delícia era chupar cana e sentir o sabor do seu suco de olhos fechados para melhor apreciar o sabor!! De quantas vezes subia nos pés de árvores frutíferas para pegar a fruta no pé e me sujar todo com as delícias de uma fruta madura. De quantas vezes caí e caímos (meninos) das cercas, dos pés de manga, de caju, de goiaba e de árvores de diversas espécies. Dos longos papos despretensiosos com outros meninos em cima das árvores. Meninos gostam muito das companhias um dos outros e se deliciam com fantasias e com estórias. Estórias imaginárias, fantásticas e inverossímeis. O mundo era nosso. Uma verdade absoluta: se não engolir peixinhos não aprende a nadar. E lá íamos escondidos para beira do rio nadar, atravessar o rio, enfrentar rebojos e correntezas. Pescar e caçar passarinhos com os estilingues que fazíamos. Já comeu torresmo? Já comeu paçoca? Já tomou leite puro de vaca tirado na hora? Que delícias!!

                                       E depois desta reflexão eu fico pensando. O que fiz com meu filho? A não ser amedrontá-lo com a violência e prepará-lo para um incerto futuro, com aulas de inglês, computador, kumon, cartoon, jus-jitses, natação, fisioterapias e tudo aquilo que se faz hoje pensando em preparar os filhos para a vida e um futuro glorioso. Prendi-o dentro de um apartamento, onde ele tem alguns pequenos animais, uma televisão (adora novelas), um vídeo-game e outros brinquedos eletrônicos. O que será do mundo de um menino que não sabe chupar e comer laranjas, mangas, cajus, abacaxis e goiabas e se lambuzar com elas? Deve achar que estas frutas já nascem líquidas dentro de uma embalagem de supermercado. De um menino que nunca caiu de um pé de árvore. Que nunca fez um estilingue. Que não atirou em um passarinho. Que nunca comeu torresmo e nem paçoca. Que nunca tomou leite puro de vaca, sem soda cáustica e nem água oxigenada. Que nunca fez e empinou uma pandorga (pipa). Não comeu peixe para aprender a nadar. Que não nadou destemidamente nos rios enfrentando rebojos e correntezas. Não tomou banho de chuva. Quem não saiu nas ruas e percorreu de pés descalços as águas das chuvas que correm nas calçadas. Que não achou que o mundo era seu. O homem que sou (filho) é retrato do menino (pai) que fui, como sabiamente sentenciou o nosso maior escritor. Estas indagações, constatações e lembranças me deixaram aborrecido, com um péssimo estado de humor.

 

                                      Renato Gomes Nery (e-mail – rgnery@terra.com.br)

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