DE TCHAPA E CRUZ…

                              Eu costumo dizer que na outra encarnação eu não venho. Razões não me faltam para retornar, bem como para não retornar. O regresso implica em repetir tudo outra vez. Já pensou ter que enfrentar os mesmos bandidos, ingratos, traidores e psicopatas que atravessaram impunemente na minha frente. Até que fico seduzido em voltar:  por aqueles olhos verdes que me encantaram e por quem eu sofri tanto; por aquela deusa de ébano de pele aveludada que flutuava na minha frente como um “fogo fátuo”; para ouvir, por um instante só, a voz de veludo dos meus delírios. A minha resistência em não voltar, fraqueja frente à mulher fantasia da música: Escultura cantada por Nelson Gonçalves.

                              Não quero me perder nos eflúvios dos meus desejos de poeta coxo de pés quebrados. Estou firme no meu propósito: não volto. Sabe lá se o Criador não esteja de bom humor e resolva que eu tenha que percorrer o mesmo caminho. E aí, como diz o samba de Adoniran Barbosa: oi nós aqui travéis! Irei parar novamente no centro de uma fogueira: em Cuiabá.

                              Um menino desmaiou em cima da mesa de refeições. Um idoso morreu e outro foi internado, pois não podiam respirar.  A renite está severa, com os seus servos. Um outro teve um AVC. As crianças sofrem com tosses e resfriados e outros males do sistema respiratório. E os entardecidos são as maiores vítimas deste castigo. E por aí vão os males causado por este inverno tropical que mais parece o deserto do Saara. O calor é insuportável, o clima é seco e o oxigênio é raro. O ar que preciso sumiu! Os serviços médicos reclamam que não dão conta das vítimas deste calorão.

                                       Acho que sou apressado em querer que o imponderável me socorra num improvável retorno. Eu sou daqueles que sofrem por antecipação. Fico o ano inteiro preocupado com este inverno que me deixa atordoado. São três longos meses que insistem em não passar. Tenho ganas de sumir para procurar o ar em outro lugar e me livrar desta secura e deste calor pegajoso. Aliás aqui é um lugar curioso, em outros lugares o inverno é frio, aqui é quente e seco. Vá entender este belicoso capricho da natureza.

                            Este ano, entretanto, não botaram fogo no mundo, pois fomos poupados da severa fumaça que encobre tudo nesta época do ano. A Providência deve estar funcionando!

                              Portanto, meu caro leitor, insisto, existem razões para voltar, mas também para não voltar. Com certeza eu irei para o inferno com todos os seus incômodos e percalços. E estando lá, já habituado, com uma amizade fraternal com o capeta, irão me perguntar: e aí você quer voltar? Eu irei ficar em dúvida e não saberei responder. Enfim, eu prefiro não acreditar em inferno e nem em reencarnação e, crendo que a vida não termina, não terei que fazer uma opção salomônica. Enfim, ficarei na eternidade vigilando por esta Cuiabá com sabor de furrundu… De pacu frito… De farofa de banana….. De paçoca de pilão……Da mujica de pintado… De guaraná de ralar … Da viola de cocho… Do cururu… Do siriri…. Da Flor Ribeirinha…. Do Rio Cuiabá e de tchapa e cruz…             

                  Renato Gomes Nery. E-mail – rgnery@terra.com.br

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