O DONO DO TEMPO

Descortina à minha frente uma paisagem conhecida. A primeira vez a que contemplei foi quando pude ter a noção de alguma coisa. Ela surgiu depois das brumas de um passado distante, gravada na minha mente e, por isto, revive em mim e, de vez em quando, aflora para me dizer sobre a singularidade do universo. Creio que esta particularidade não me deixa sucumbir e/ou perder o liame que me prende a este mundo tão cheio de dores, de alegrias e de contradições, mas sem perder a beleza da vida que, apesar dos escuros da existência, me mostra que sempre existe o belo e a luz.

Porque essa paisagem tem a força de me fazer crer e ver que tudo é um sonho do qual eu me nego a despertar. Ela é a minha referência para não ser abatido pelas adversidades.

Eu sempre achei que era o dono do tempo. Eu tinha que continuar a tomar conta dele, porque era esquivo e passava rapidamente pela minha retina, como um raio impalpável e fugidio. Fiz e refiz tantas coisas porque o tempo passava rapidamente e não me esperava.

Continuei a jornada da vida com pressa pela demanda do tempo. Passei por planícies, vales, montanhas, rios e pântanos. Trabalhei muito. Casei-me, descasei, tive filhos, alegrias, dores e aborrecimentos. Fui a lona devido a ingratidões, a magoas e a traições. Enfim, eu suportei tudo porque era meu dever por ser o dono do tempo, que passou… passou e passou irrevogavelmente, à minha frente, nesta jornada de bons e maus momentos, e, sobretudo, de muitas adversidades. Não consigo mais detê-lo, e ele prossegue a sua implacável jornada. Cumpri o meu dever de viver e sobreviver. E estou aqui sentado no fim da linha e o tempo não me seduz mais.

A vida cobra o seu prazo de validade! O tempo agora me aborrece, pois ele custa a passar e eu não tenho mais nada a fazer a não ser tentar matá-lo, a conta gotas. O tédio me aborrece, mas pensando bem, ele é um companheiro fiel e inseparável. Por que o início é alegre e o fim é triste? Eu não sei e nem quero pensar sobre isto! “Saio da vida como quem sai tarde do espetáculo: aborrecido”, como afirmou Machado de Assis. A cortina da ribalta não será fechada por mim, pois sequer tive coragem de encerrar a peça. Cada coisa no seu tempo e o meu ainda não chegou… Paciência!

O tempo venceu e triunfará porque ele é eterno, e eu sou pó e a ele voltarei. Sou apenas uma folha seca caída que desaparecerá pela força do vento insistente. Não restará nada de mim, pois as minhas pegadas serão apagadas. Enfim, eu não era e não sou nada e, muito menos, proprietário do tempo! A porta será fechada e as minhas retinas cansadas não voltarão mais a se maravilhar com as belas paisagens que tanto aprecio.

Renato Gomes Nery. E-mail – rgnery@terra.com.br

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